Por Daniele de Lima de Oliveira*
Sabemos de longa data que muitas pessoas, apesar de não terem o menor
interesse em constituir sociedade, sem o menor affectio societatis,
assim o fazem, simplesmente para fugir da responsabilidade pessoal e
ilimitada imposta pela regra do empresário individual. Obviamente, a
sociedade constituída nestes moldes ocasiona, minimamente, desconforto
aos sócios, afinal, em regra, sempre um deles acaba como mero figurante –
mas com todos os riscos que a figura de sócio está exposta.
A responsabilidade pessoal dos sócios por débitos da sociedade é tema
de relevância e não encontrou por parte de nossos julgadores unificação
de entendimento. Tal circunstância gera insegurança jurídica e impõe a
adoção de cautela daquele interessado em destinar recursos ao exercício
da atividade empresarial, em relação ao seu próprio patrimônio, para que
não haja o comprometimento que supere a parcela destinada a composição
do capital social da entidade empresária.
Às vésperas do início da vigência da Lei 12.441, de 11 de julho de
2011, 180 dias após sua publicação no DOU, ou seja, 12/01/2012), que
modifica o Código Civil de 2002 ao incluir a nova figura da empresa individual, reacende a discussão da matéria referente à limitação da responsabilidade pessoal do sócio.
O ordenamento jurídico atual aponta duas figuras que podem
desenvolver a atividade empresarial: a pessoa física, conhecida como
empresário individual, e a pessoa jurídica, até então como sociedade
empresária. Na primeira, apesar da declaração de empresário individual
apontar a necessidade da informação do capital social, as dívidas
oriundas da atividade exercida podem alcançar o patrimônio pessoal,
inclusive adquirido anteriormente ao início da atividade, pelo
empresário, sem limitação.
As sociedades empresárias, em especial as sociedades limitadas, por
outro lado, por ser pessoa jurídica no desenvolvimento da atividade, só
respondem, em regra, com o seu próprio patrimônio, sem incluir a pessoa
do sócio e seu respectivo patrimônio na responsabilidade pelas dívidas
sociais. Em outras palavras, a obrigação do sócio é a integralização do
capital social e uma vez realizada, não há (ou não haveria) que se
cogitar sua responsabilização por dívida da sociedade.
A nova lei introduz a possibilidade de que a real intenção do
investidor único venha a ser alcançada: investir em uma atividade
empresarial independentemente da figura de outro e sem que para isso
seja comprometido ou colocado em risco, além do capital social
integralizado, toda parcela restante do seu patrimônio.
O legislador, para corrigir a distorção gerada na atividade do
empresário individual, onde sua responsabilidade é ilimitada, incluiu no
sistema legislativo a empresa individual
de responsabilidade limitada. Entendo que, diferente de algumas
críticas publicadas, não há dúvida a respeito da pessoa que exercerá a
atividade: a empresa individual
trata-se de pessoa jurídica, constituída por única pessoa com
responsabilidade limitada ao capital a ser integralizado. Basta observar
o artigo 2º da Lei 12.441/2011, que aumenta o rol de pessoas jurídicas
contido no art. 44 do Código Civil em vigência.
Esta pessoa jurídica, que o legislador preferiu não tratar como
sociedade, provavelmente porque o Código Civil (art. 981) pressupõe para
tanto “contrato” celebrado por “pessoas”, deverá ser constituída por
única pessoa e tem determinação de valor mínimo de capital social – 100
vezes o maior salário mínimo vigente no país.
Tendo como base que a empresa individual
é pessoa jurídica, há sensível diferença entre ser membro e ser o
titular dos direitos e obrigações da atividade. Assim como ocorre nas
sociedades, a responsabilidade da empresa não se confundirá com a da
pessoa que a constitui.
Como bem determinou o legislador, a empresa individual
tem nome e capital próprios, este último, como aludido, de montante
mínimo, o que tem enorme significado, inclusive para solidificar a
limitação de responsabilidade patrimonial do integrante da pessoa
jurídica.
Destaca-se que não há outra forma de exercício de atividade
empresarial que exija valor mínimo de capital social, diferença marcante
nessa modalidade empresarial.
O legislador impôs ainda que as regras da sociedade limitada serão aplicadas à empresa individual
, no que couber. A análise das razões do projeto de lei de autoria do
deputado Marcos Montes, já apontam que a nova modalidade empresarial
nada mais é que a figura da “sociedade unipessoal”, já conhecida no
ordenamento pela subsidiária integral, prevista na Lei 6.404/76 e pela
empresa pública.
Neste aspecto, preferiu o legislador ser mais conservador em não
denominar “sociedade” quando a sua constituição se dá por única pessoa, o
que não macula, a meu ver, o intuito legislativo de atendimento aos
anseios empresariais, corolário da correta interpretação que deve ser
dada à norma.
Aliás, justamente por se reportar às sociedades e não às regras do
empresário individual é que entendo que a pessoa que constituir a
empresa pode ser jurídica ou natural e esta não precisa ter,
necessariamente, capacidade, desde que não exerça pessoalmente a
administração da empresa e que todo capital social esteja integralizado.
Interessante debate pode ser travado a respeito da atividade a ser
desenvolvida sem empresarialidade, como ocorre com os profissionais
liberais. Apesar deste novo instituto ser denominado de “empresa individual”,
pressupondo a empresarialidade, o parágrafo 5º do artigo 980-A aponta a
possibilidade de prestação de serviços de qualquer natureza e, mais
adiante, no parágrafo 6º, indica a aplicação das regras da sociedade
limitada no caso. Esse conjunto de regras leva a crer que a empresa individual
pode ter o objeto de sociedade simples e, logo, não ter seu arquivo em
registro público mercantil, mas em cartório de registro civil de pessoas
jurídicas.
Quanto ao instituto do direito falimentar, aplicado ao empresário individual e sociedade empresária, entendo que a empresa individual,
por ser pessoa jurídica, ficará equiparada à sociedade empresária, o
que significa que seu membro não terá a falência decretada, haja vista
que tem a responsabilidade limitada pela integralização do capital
social.
Enfim, a nova lei apenas é resposta a uma necessidade há muito
exigida no que concerne a separação patrimonial daqueles que têm
interesse em desenvolver a atividade empresarial individualmente.
A disposição de correr riscos é afeta à atividade, mas isso não
significa que o risco deva alcançar todo o patrimônio pessoal de uma
vida. A limitação desse risco é importante inclusive para estimular o
incremento da atividade, contratação de funcionários e investimento de
maior vulto. A limitação do risco pela integralização do capital social é
forma geradora de desenvolvimento micro e macroeconômico, impactante de
todas as formas na sociedade.
Os credores da empresa, se entender conveniente, têm condições de
negociar garantias, como já fazem com sociedades empresárias e deixam de
concorrer com os credores pessoais de quem constitui a empresa.
Mais uma vez demonstra-se que o patrimônio pessoal não deve ser
confundido com o patrimônio social e o quanto isso é relevante para o
desenvolvimento saudável da atividade econômica. Da mesma forma que se
impõe essa diferença e se estabelece limites de afetação, o alcance do
patrimônio pessoal do titular que integraliza o capital social deve
ocorrer em condições extremas e pontuais.
O advento da nova lei deve fazer repensar a forma de aplicação da
desconsideração da personalidade jurídica ou da responsabilidade de
sócios por dívidas sociais, a fim de que não seja banalizada em decisões
judiciais sem demonstração probatória suficiente.
A grande incidência de responsabilização dos sócios por dívidas
sociais em decisões judiciais baseadas em suposições de mau uso da
sociedade vai diametralmente de encontro com o objetivo de uso da pessoa
jurídica pelo empresariado, causa insegurança aos investidores,
encarece o custo da atividade e intimida o crescimento econômico
organizado e salutar.
O grande fantasma do meio empresarial hoje é o temor da
responsabilização pessoal indiscriminada, seja na esfera civil,
tributária ou trabalhista. A Lei 12.441 vem solidificar a real distinção patrimonial, que merece ser respeitada nos estritos limites da lei.
*Daniele de Lima de Oliveira é professora de Direito Empresarial do
Complexo de Ensino Andreucci e advogada do escritório Tácito B. C.
Advogados.
Revista Consultor Jurídico, 4 de outubro de 2011 via http://www.robertodiasduarte.com.br/a-nova-figura-da-empresa-individual-perante-a-lei/
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