Pesquisar este blog

quarta-feira, 11 de maio de 2011

Por que pagamos impostos?


Por Rodrigo Velloso


Desde os primórdios da civilização os governos arrecadam tributos dos cidadãos que, por sua vez, sempre reclamaram da cobrança. Conheça a movimentada e, por vezes, curiosa história desse instrumento de poder que determinou o curso da nossa própria história

Você já parou para pensar sobre a palavra "imposto"? Imposto é, por definição, algo que somos obrigados a aceitar. Essa é a essência do imposto. O governo diz que devemos e nos obriga a pagar. A história não deixa dúvida de que impostos são um exercício de poder. Manda quem pode, obedece quem tem juízo. Em teoria, nosso dinheiro é usado para o bem comum. Na prática, porém, não temos nenhuma garantia de receber algo em troca. A história também mostra que a civilização humana não existiria sem impostos. Ou seja, pelo menos parte da arrecadação foi efetivamente usada para impulsionar o progresso. Mas, afinal, imposto é uma coisa boa ou ruim?
A enorme relevância dos impostos para a civilização humana fica evidente quando percebemos há quanto tempo eles existem. Tabletes de barro datados de 4000 a.C. encontrados na Mesopotâmia são os documentos escritos mais antigos que conhecemos. Por isso, a região é conhecida como o berço da civilização. E o mais antigo desses documentos faz referência aos impostos. Se você acha que paga demais, agradeça por não viver naqueles dias. Além de entregar parte dos alimentos que produziam ao governo, os sumérios, um dos povos que viviam por ali, eram obrigados a passar até cinco meses por ano trabalhando para o rei. Os mais sortudos seriam empregados na colheita ou para retirar lama dos canais da cidade. Os menos afortunados entravam para o exército, onde poderiam morrer (já lhe ocorreu que o serviço militar obrigatório é uma forma de imposto?). Os mais ricos mandavam escravos para trabalhar em seu lugar. Depois, com a invenção da moeda, passaram a pagar em dinheiro.
Tonia Sharlach, arqueóloga da Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos, afirma que já naquela época não havia garantia de contrapartida aos cidadãos. "Não sabemos quais os benefícios que as pessoas obtinham com o pagamento, mas presumimos que eles o faziam porque, caso contrário, o rei os mataria", diz.
Era assim também no antigo Egito. As evidências indicam que, em 3000 a.C., os faraós coletavam impostos em dinheiro ou em serviços pelo menos uma vez por ano. Ninguém era tão temido quanto os escribas, responsáveis por determinar a dívida de cada um. O controle era tão rigoroso que fiscalizavam até o consumo de óleo de cozinha pelas residências, já que essa era uma substância tributada. Os impostos eram mais altos para estrangeiros e especula-se que foi para pagar dívidas tributárias que os hebreus, por exemplo, acabaram como escravos.
O Império Romano aperfeiçoou a técnica de impor tributos a estrangeiros. Em economias pré-industriais, a terra e o trabalho são os principais ingredientes da riqueza. Por isso, a conquista de outras terras e povos dava aos romanos acesso a mais riqueza, o que, por sua vez, permitia que conquistassem e controlassem um território ainda maior. O censo, usado até hoje em muitos países, foi criado pelos romanos para decidir quanto deveriam cobrar de cada província. O cálculo era feito com base no número de pessoas. Até hoje, a capacidade de cobrar impostos é diretamente proporcional à quantidade e qualidade de informações disponíveis sobre os contribuintes.
Em 167 a.C., Roma se tornou tão rica à custa dos povos conquistados que suspendeu a cobrança de impostos sobre os cidadãos romanos. Mais que isso, distribuía pão e outros produtos gratuitamente na cidade como forma de partilhar a riqueza. Como o império era muito grande, terceirizaram a coleta de impostos. Os publicani, ou fiscais, adiantavam dinheiro ao governo pelo direito de recolher impostos e, depois, tratavam de recuperar o investimento acrescido de juros, custos de coleta e, naturalmente, algum lucro. Ainda assim, calcula-se que menos de 10% do PIB do império era cobrado em impostos. Isso porque os gastos do governo eram limitados. Mais ou menos 50% do orçamento era dedicado à manutenção do exército, inclusive o primeiro sistema de previdência da história, que garantia aos legionários 13 anos de salário depois que cumprissem 25 anos de serviço. O resto era destinado a cobrir as despesas do governante, à construção de estradas, portos e mercados e à manutenção do sistema legal.
Isso mostra uma das características mais consistentes dos impostos ao longo da história. O valor recolhido é função do quanto o governo quer gastar e não da percepção sobre quanto é justo tirar de cada cidadão. Afinal, os romanos, que se consideravam donos dos povos conquistados, cobravam-lhes menos do que muitos governos cobram, hoje, daqueles a quem deveriam servir.
A queda do Império Romano por volta do ano 500 trouxe um novo sistema de organização da sociedade e, portanto, dos impostos. O rei concedia terra aos melhores guerreiros para que pudessem se sustentar e, em troca, os cavalheiros estavam sempre preparados para lutar em nome do soberano. Eles tinham autoridade legal sobre seus territórios, o que incluía o direito de cobrar impostos. Para cultivar a terra, os senhores feudais contavam, principalmente, com servos que eram obrigados a passar parte de cada mês trabalhando em suas terras além de pagar impostos sobre sua própria produção. É nessa época que surge a lenda do mais belo protesto contra excesso de tributação. O conde Leofric de Mercia disse a sua mulher, Lady Godiva, que só baixaria os impostos da pequena cidade de Coventry, Inglaterra, quando ela passeasse nua pela cidade sobre um cavalo branco. Ela aceitou o desafio e, em respeito ao seu ato ao mesmo tempo de bravura e humanidade, todo o povo fechou as janelas e não a contemplou.
Outra lenda surge no mesmo período: a de Robin Hood. Curiosamente, o lema do herói reflete uma das funções que justificam a coleta de impostos por governos modernos. Ele distribuía aos pobres aquilo que tirava dos ricos.
Embora seja representado como tirano na história, o trabalho do senhor feudal não era fácil. Ele tinha que supervisionar a produção de suas terras, cuidar dos assuntos legais e se manter preparado para a guerra. Por isso, cada vez mais senhores passaram a pagar impostos em dinheiro, concentrando sua atenção nas tarefas administrativas. Esse comportamento foi incentivado pelos reis, que preferiam ter menos rivais militares e manter, eles próprios, exércitos profissionais. Outro fator que motivou a coleta de impostos em dinheiro foi o surgimento, por volta do ano 1000, de pequenas vilas onde se concentravam artesãos produtores de bens de consumo. As cidades tornaram-se centros de riqueza e os reis passaram a cobrar impostos diretamente dos habitantes. Com isso, o poder e as fontes de financiamento se pulverizaram e a força dos reis cresceu.
Na Inglaterra, a concentração do poder real levou a uma revolta e à criação de um dos mais importantes documentos legais da história: a Magna Carta. Cansados dos altos impostos cobrados pelo rei João para financiar guerras mal-sucedidas no exterior, vários barões se uniram em revolta e, em 1215, obrigaram-no a aceitar limitações sobre seu próprio poder, em especial seu direito de cobrar impostos. Assim a Idade Média revela outra constante dos impostos. Embora não haja limite às cobranças de um governo, os contribuintes não aceitam por muito tempo as que consideram excessivas ou que julgam ser mal utilizadas.
De 1300 a 1700, os reinos se consolidam e se tornam nações. A partir do século 15, o auge da Renascença, os impostos se multiplicam à medida que as atividades da sociedade se diversificam. A burocracia da cobrança aumenta e a crescente complexidade econômica das sociedades leva à criação de teorias econômicas e às novas formas de arrecadação. A evolução do comércio entre as nações leva à instituição de tarifas de importação e exportação. Ressurgem os impostos sobre a venda de produtos específicos como os que existiam na Roma antiga. E aumentam os conflitos por causa dos impostos (leia o quadro na página 85).
A Revolução Industrial do século 18 aumenta ainda mais a complexidade da economia e as teorias em torno de sua organização. É nessa época, chamada de Iluminismo, que surgem as bases ideológicas que hoje representam a esquerda e a direita das correntes políticas do mundo. De um lado surgem os fisiocratas, um grupo de filósofos franceses liderados por François Quesnay que defendem a liberdade econômica dos indivíduos, inclusive no que se refere à cobrança de impostos. A influência da fisiocracia sobre o liberalismo moderno é inegável. De fato, o pai do liberalismo, Adam Smith, quase dedicou seu livro A Riqueza das Nações, de 1776, a Quesnay. A essência da doutrina popularizada por Smith e outros, como Jeremy Bentham e John Stuart Mill, é a crença de que as leis naturais tendem a produzir o progresso e, por isso, deveriam governar a sociedade.
Em outras palavras, liberais acreditam que a economia e a sociedade deveriam operar livremente com um mínimo de intervenção do Estado. Cunharam o termo laissez-faire ("deixe fazer", em francês) para explicar qual deveria ser a postura dos governos frente à economia.
Do outro lado, a realidade dos baixíssimos salários e péssimas condições de trabalho dos primeiros operários industriais alimentaram uma corrente de pensamento contrária ao liberalismo clássico: o socialismo. Um dos primeiros expoentes desses ideais foi François Babeuf, um revolucionário francês que, não satisfeito com a igualdade política conquistada pela Revolução Francesa, conspirou para derrubar o governo e fundar um sistema que promovesse, também, a igualdade econômica. Ele foi decapitado em 1797, mas o movimento que fundou se desenvolveu e espalhou-se para a Itália e a Alemanha. Seus seguidores começaram a usar as palavras comunismo e socialismo para descrever a filosofia finalmente publicada em 1848 por Karl Marx e Friedrich Engels com o título Manifesto Comunista. A doutrina do socialismo tem base na crença de que a desigualdade econômica é insustentável e pode levar à revolução das classes mais pobres.
Para o socialista, propriedades e meios de produção devem ser controlados pelo governo que, então, distribuirá a riqueza de maneira igualitária.
Em suas formas puras, nenhuma das duas doutrinas funcionou e, desde então, nações do mundo inteiro vêm procurando um meio termo que atenda às necessidades das populações. Para tentar chegar ao equilíbrio, aumentaram os gastos públicos. O primeiro programa de seguridade social surgiu na Alemanha em 1889 justamente para combater o Partido Socialista. Previa aposentadoria para todos os trabalhadores e benefícios para os doentes ou incapacitados. Mais tarde, seriam criados auxílios de desemprego. Não demorou para que programas desse tipo fossem adotados em outros países. Em 1924, o Chile se tornou o primeiro país latino-americano a instituir um programa similar. Um pouco mais tarde surgiu a idéia de dar, a toda a população, acesso a cuidados médicos. A medicina socializada surgiu na Inglaterra em 1948. Hoje, o sistema de saúde de países como o Canadá é quase inteiramente público. Para financiar programas sociais como esses, os governos tiveram que aumentar a arrecadação.
Com isso, os impostos na sociedade moderna se tornaram um meio pelo qual a doutrina socialista pode coexistir com o liberalismo.
O imposto de renda nasceu e cresceu nesse período confirmando a nova função social. Ele já havia sido cobrado antes como imposto provisório mas, em sua primeira versão permanente, na Inglaterra de 1874, é também progressivo. Ou seja, quem tem mais renda cede uma parcela maior de sua riqueza ao Estado. Até o final do século 19, vários países europeus, assim como a Austrália e o Japão, adotaram o imposto de renda. Hoje, mesmo que concordem com o princípio da distribuição de renda, muitos contribuintes ainda questionam o grau em que ela deve ser feita e se o governo é o intermediário ideal para tanta riqueza. Embora as correntes políticas tenham se aproximado, ainda há esquerda e direita. Para José Eduardo Pimentel de Godoy, historiador da Secretaria da Receita Federal, as tendências não são invariáveis. "Há movimentos para a direita, para a esquerda, para baixo, para cima – são ciclos que dependem de fatores políticos, sociais e econômicos."
Os impostos não são bons nem ruins. "Eles têm o potencial de destruir impérios que deveriam sustentar. Mas, com os devidos controles, construíram grandes nações e trouxeram bem-estar para as pessoas", diz Charles Adams, especialista em direito tributário internacional e autor do livro For Good and Evil: The Impact of Taxes on the Course of Civilization ("Para o bem e para o mal: o impacto dos impostos no curso da civilização", sem versão em português). Os impostos são neutros. E, assim como qualquer poder, seu efeito depende muito mais de quem os usa e como são usados que de sua própria natureza.

fonte: Super Interessante.
Participação no Blog: Eliane Arantes

Nenhum comentário:

Postar um comentário