Por Marília de Camargo Cesar
O consultor Max Gehringer acha que, no Brasil, é mais fácil ser
presidente de multinacional do que microempresário. Comentarista,
palestrante e ex-executivo de grandes empresas, Gehringer tornou-se
conhecido por suas dicas práticas de administração de carreiras em
revistas, no rádio e na televisão. Agora, ele amplia o escopo de suas
análise e entra no universo das micro e pequenas empresas. Neste
domingo, estreia um novo quadro no “Fantástico”, da TV Globo, onde vai
acompanhar microempreendedores em suas dificuldades diárias e
aconselhá-los. Dos primeiros cases, o consultor já tirou algumas lições.
Entre elas, a de que a burocracia para as MPES é desestimulante. Veja
trechos da entrevista concedida ao Valor:
Valor: A falta de formação educacional e de experiência em gestão são
alguns dos graves problemas enfrentados pelo pequeno empreendedor
brasileiro. Nesse aspecto, quais as principais dificuldades observadas
nos cases que entram no quadro de estreia do novo programa?
Max Gehringer: Queremos começar mostrando que entusiasmo e otimismo
são duas características louváveis, mas são também as maiores
responsáveis pela quebradeira de metade das microempresas em menos de 3
anos. A primeira mancada é pensar em abrir um negócio pelo motivo
errado. Por exemplo, ‘cansei de trabalhar para os outros’, ou ‘estou
desempregado faz 8 meses’, ou ‘tem gente mais burra que eu que montou um
negócio e deu certo’. São todas razões emocionais e não leva muito
tempo até o neófito descobrir que o lado racional pesa muito mais na
sobrevivência de uma empresa. Os microempresários que participarão do
programa vão começar confessando que desconheciam noções elementares de
gestão. Que não fizeram nenhuma pesquisa para saber se o negócio tinha a
mínima chance de dar certo. Que não se preocuparam em separar o
dinheiro da empresa do dinheiro da família. Que não tinham recursos para
se manter caso o negócio não desse certo desde o primeiro dia. A partir
desses casos reais, vamos mostrar o que vinha sendo feito e o que
deveria ter sido feito.
Valor: Qual o encaminhamento e sugestões práticas apresentadas e como o empresário reagiu a isso?
Gehringer: Passamos 2 meses acompanhando o dia a dia das 3 empresas,
que eram bem diferentes entre si – uma começando do zero, outra com 2
anos de vida, e a terceira há 25 anos no mercado. O que mais incomodou,
principalmente nesta última, foi descobrir que o negócio tinha um
potencial para gerar dinheiro e não estava gerando porque os sócios
simplesmente nunca definiram quem era responsável pelo quê.
Valor: Quais as outras grandes dificuldades para quem está começando do zero e qual a melhor maneira de aprimorar o trabalho?
Gehringer: Começa pela burocracia, que é desestimulante, passa pela
dificuldade em obter financiamentos a juros decentes, e continua na
seleção dos empregados. A empresa nem começou a funcionar e o novo
empresário já está estressado. O que ele quer é botar a mão na massa o
mais rapidamente possível, e nessa hora ele esquece que não entende de
fluxo de caixa, que não sabe como conseguir clientes, que não tem um
plano elementar de divulgação e que não sabe que mecanismos utilizar
para saber se o negócio está no rumo certo. Como eu disse no começo,
essa é a hora do entusiasmo e do otimismo, que vão gerando frustrações
com o decorrer dos meses.
Valor: Dificuldade para lidar com a gestão financeira é outro aspecto
sempre lembrado pelos especialistas.
Como um pequeno empreendedor pode
melhorar essa formação, no caso de não dispor de recursos ou muito tempo
para isso?
Gehringer: Nós queremos mostrar que ‘gestão financeira’ é uma
expressão assustadora para o microempresário, porque ele fica pensando
em coisas fora de seu alcance material ou intelectual, como
computadores, planilhas e fórmulas, quando na verdade a maior parte do
processo requer apenas bom senso. Naquela empresa que já completou 20
anos de existência, o sistema básico era ‘tem dinheiro no caixa?’. Se
tinha, cada sócio pegava o que precisava e depois prestava contas.
Parece a coisa mais simples do mundo de resolver, mas, segundo o Sebrae,
a maioria dos microempresários age exatamente assim.
Valor: O senhor está habituado a responder dúvidas de colaboradores
de grandes empresas (ou candidatos) sobre o universo corporativo. Como
foi envolver-se diretamente com a rotina dessas três microempresas? O
que esse trabalho lhe trouxe de ensinamentos?
Gehringer: Que é mais fácil ser presidente de multinacional, como eu
fui, do que ser microempresário. As grandes empresas já têm processos
definidos e as decisões são compartilhadas. Nenhum funcionário precisa
saber fazer meia dúzia de coisas diferentes ao mesmo tempo, e uma área
não se preocupa muito com o que está acontecendo na outra. Agora, faz 11
anos que sou microempresário. Não é melhor nem pior que ser executivo,
mas é radicalmente diferente.
Valor: A taxa de mortalidade das MPEs brasileiras vem diminuindo, mas
ainda é uma das mais altas. Ao mesmo tempo, o Brasil é um dos países
com maior índice de empreendedorismo do mundo. O que há de obstáculos entre o ser empreendedor e o tornar-se um empresário longevo e bem-sucedido?
Gehringer: O Sebrae tem um dado muito interessante. A mortalidade é
realmente alta no primeiro negócio, mas cai pela metade no segundo, e
não chega a 10% no terceiro. O empreendedor que não desiste no primeiro
tombo aprende com os próprios erros e sua teimosia em continuar tentando
se reflete positivamente nas estatísticas. Minha conclusão é que, se o
microempresário tivesse buscado as informações necessárias, não
precisaria ter quebrado para aprender. Hoje existem no Brasil cerca de 6
milhões de micro e pequenas empresas formais. Dessas, nem 1% fez o
curso básico de empreendedorismo
no Sebrae. Quantas das que quebraram, e foram milhões nos últimos 10
anos, teriam quebrado se tivessem procurado aprender com quem podia
ensinar, em vez de se aventurar com a cara e a coragem?
Valor: Num ambiente de fissuras externas, como o microempreendedor pode se precaver de assumir riscos desnecessários?
Gehringer: O século 20 foi o século do emprego e a equação se
inverteu, com todo mundo se bandeando para as cidades em busca da
carteira assinada. Mas os países que conseguiram dominar a economia
mundial desde a Revolução Industrial não foram aqueles que formaram bons
empregados. Foram os que formaram grandes empreendedores. Se o Brasil
realmente quiser ser uma potência, este é o século do empreendedor. É só
o governo ajudar um pouquinho.
Fonte: Valor Econômico via Fenacon
http://www.robertodiasduarte.com.br/burocracia-desestimula-empreendedor/
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