As regras contábeis atualmente vigentes foram introduzidas pela Lei
nº 11.638 no fim de 2007 com objetivos muito claros de aproximar a
realidade contábil brasileira aos padrões adotados internacionalmente, o
que tornaria mais transparente a leitura e interpretação das
informações financeiras de companhias com sede no país por analistas
estrangeiros.
Como era de se esperar, a nova contabilidade brasileira tem
desencadeado, ao longo desses anos, muita polêmica e diversas discussões
em fóruns de profissionais das áreas do direito e das ciências
contábeis que resultaram em uma série de pronunciamentos de órgãos
técnicos especializados, referendados pela Comissão de Valores
Mobiliários (CVM). Como é de conhecimento, várias dessas mudanças
contábeis trouxeram impactos significativos no resultado das companhias
brasileiras que afetariam, invariavelmente, a apuração dos impostos e
contribuições por elas devidos. É por essa razão que o legislador tratou
de estabelecer um mecanismo que pudesse anular esses efeitos
tributários mediante a criação do Regime Tributário de Transição (RTT).
Dentre as diversas alterações trazidas pelas novas regras, o critério
de depreciação dos ativos, em especial, tem suscitado certas dúvidas e
incertezas por parte dos contribuintes. De um modo geral, na ausência de
parâmetros mais precisos, as companhias adotavam como prática usual,
para fins contábeis, as regras e coeficientes de depreciação de ativos
estabelecidos pela Receita Federal que, em tese, possuíam aplicação
apenas no âmbito tributário. Partindo-se para a perspectiva fiscal da
depreciação, o artigo 305 do Regulamento do Imposto de Renda dispõe
sobre sua possibilidade quando tais bens estiverem sujeitos a desgastes
ou perda de utilidade por uso, ação da natureza ou obsolescência, desde
que estejam intrinsecamente relacionados com a produção ou
comercialização dos bens e serviços.
Por sua vez, os artigos 309 e 310 do Regulamento do Imposto de Renda
determinam que a quota de depreciação admitida como custo ou despesa
operacional corresponderá à aplicação da taxa anual de depreciação sobre
o custo de aquisição dos bens depreciáveis; e a taxa anual de
depreciação será fixada em função do prazo durante o qual se possa
esperar a utilização econômica do bem pelo contribuinte, na produção de
seus rendimentos, cabendo à Receita Federal publicar periodicamente o
prazo de vida útil admissível, em condições normais ou médias, para cada
espécie de bem.
Em suma, muito embora os coeficientes de depreciação publicados pela
Receita Federal tivessem aplicação restrita ao âmbito tributário, muitas
companhias acabavam se valendo desse mesmo critério para fins de
escrituração contábil. Com as novas regras contábeis, isso mudou, uma
vez que a Lei nº 11.638, posteriormente alterada pela Lei nº 11.941, de
2009, modificou a redação do parágrafo 3º do artigo 183 da Lei das
Sociedades por Ações, determinando expressamente a revisão e ajuste dos
critérios utilizados para determinação da vida útil econômica estimada e
para cálculo da depreciação. Dessa forma, a observância do critério de
depreciação pautado na expectativa de vida útil econômica do bem passou a
ser obrigatória para fins de elaboração das demonstrações financeiras.
Este critério foi posteriormente ratificado por meio do
Pronunciamento Contábil nº 27, ratificado pela Deliberação CVM nº 583,
de 2009. Devido à neutralidade fiscal pregada pelo RTT, muito se
discutiu se as novas regras implicaram em mudança da regra contábil
atinente ao registro da depreciação, de forma que eventuais ajustes dela
decorrentes seriam neutros do ponto de vista tributário.
Após a publicação de soluções de consulta no sentido da neutralidade
fiscal de tais ajustes, no dia 9 de agosto a Receita Federal publicou,
de modo a definir tal questão, o Parecer Normativo nº 1 reconhecendo que
as diferenças no cálculo da depreciação de bens do ativo imobilizado
decorrentes das novas regras contábeis não terão efeitos para fins de
apuração do lucro real e da base de cálculo da CSLL da pessoa jurídica
sujeita ao RTT, devendo ser considerados, para fins tributários, os
métodos e critérios contábeis vigentes em 31 de dezembro de 2007. De
forma exemplificativa, uma companhia que possuía imóveis registrados em
seu ativo não circulante e que, para fins contábeis, adote quota de
depreciação correspondente a 30 anos de prazo de vida útil econômica,
poderá, com respaldo da definição da própria Receita Federal, excluir
para fins fiscais, quota adicional de depreciação, haja vista que o
prazo de depreciação de imóveis definido pelo referido órgão é de 25
anos.
Dessa forma, é possível concluir que a alteração na forma de
contabilização da depreciação dos bens registrados no ativo imobilizado
da companhia, em decorrência do novo regime contábil, trata-se de uma
mudança de critério contábil e, por essa razão, seus efeitos contábeis
podem ser enquadrados como ajustes tributários decorrentes dos novos
métodos e critérios contábeis, portanto, abrangidos pelo RTT e neutros
para fins fiscais.
Antonio Carlos Guzman e Guilherme Novello são,
respectivamente, sócio e advogado do Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey
Jr. e Quiroga Advogados
Fonte: http://www.valor.com.br/opiniao/1005864/nova-realidade-contabil-brasileira
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