Por Joaquim Manhães Moreira*
Vivemos a era da chamada “sociedade da informação”, que ao mesmo
tempo nos oferece comodidades infinitas, dentre elas incluída a
comunicação na velocidade da luz, mas multiplica desafios aos estudiosos
de todos os ramos do conhecimento e praticantes de todas as técnicas,
de todos os segmentos. Os operadores do Direito, especialmente os que se
incumbem do estudo e da aplicação das normas tributárias, não escapam
desses dilemas.
O mundo como um todo precisa tratar urgentemente da criação de uma
nova ordem tributária, integrada e globalizada, que leve em conta as
necessidades e as características da sociedade atual. Especialmente os
aspectos tecnológicos que a nova vida comporta e exige de cada unidade
contributiva, seja pessoa natural, seja jurídica. Nesse sentido são
louváveis os estudos já existentes, desenvolvidos por muitas
instituições, dentre elas a “International Fiscal Association”, que há
alguns anos dedica-se ao tema.
No Brasil poder-se-ia falar, até mesmo, da necessidade de uma nova
teoria da materialidade tributária, entendida esta como o conjunto de
princípios e métodos que estudam o núcleo do aspecto material do fato
gerador de cada tributo. O fato gerador conserva ainda o conceito que
lhe foi dado pelo nosso vetusto e basilar Código Tributário Nacional
(artigo 114): situação descrita em lei como necessária e suficiente para
fazer nascer a obrigação de pagar tributos, tanto os assim denominados
como as outras exações que lhes sejam juridicamente equivalentes (artigo
4º do CTN).
Para o imposto
sobre a renda, que incide sobre o resultado da aplicação do capital, do
trabalho ou da combinação de ambos, ou seja, sobre os acréscimos
patrimoniais, um importante conceito é o do domicílio, especialmente da
pessoa jurídica. Esse conceito ganha maior importância a cada dia, face à
inexorável integração econômica internacional.
A definição da competência territorial internacional para arrecadar o imposto
sobre a renda sempre se apoiou em dois critérios básicos: o do
domicílio de quem aufere a renda e o da fonte de pagamento.
Historicamente sempre se atribuiu a competência para arrecadar a renda
em geral ao país de domicílio da pessoa física ou jurídica. Ao país da
fonte pagadora sempre foi reservada a competência para a arrecadação de rendas refletidas nas remessas internacionais para pagamento de royalties e serviços e outros afins.
Com o tempo desenvolveu-se a teoria do estabelecimento permanente. De
acordo com ela a renda de uma pessoa jurídica poderia ser tributada
proporcionalmente tanto no país do seu domicílio como em qualquer outro
no qual ele mantivesse um estabelecimento permanente, assim entendido
uma instalação física dedicada à industrialização, comercialização ou
prestação local de serviços. Ainda aqui o conhecimento do domicílio da
pessoa jurídica era fundamental.
O conceito sempre apresentou dificuldades na sua aplicação à
tributação internacional. O domicílio de uma pessoa jurídica é aceito
pela maioria das legislações tributárias como o do local da sua sede. A
sede é sempre o estabelecimento mais importante da empresa. É dela que
emanam as decisões. Mas já no mundo pré-digital verificava-se que a
escolha da sede de uma empresa obedecia a critérios que nem sempre
guardavam relação com os montantes das rendas geradas.
Algumas legislações optaram por definir como sede o local de trabalho
dos principais administradores, fossem diretores fossem membros dos
conselhos de administração. O fundamento era o de que nesses locais eram
tomadas as principais decisões da empresa.
A verdade é que atualmente já há empresa sem sede física permanente.
Seus administradores viajam continuamente pelo mundo, visitando suas
controladas e coligadas nos diversos
países em que se encontram estabelecidas. Reuniões de diretoria ou de
conselho são muitas vezes feitas através de tele conferências ou por
computadores interligados pela Web.
A ideia do grande prédio da sede de uma companhia, ou de um imenso
parque fabril é contrastada com a inexistência de um local físico fixo
das operações. No mundo do comércio eletrônico
talvez a sede de uma empresa fique em um computador “hospedado” em um
prestador de serviços em um país completamente diferente daquele que
fornece matérias primas, do outro onde elas são transformadas em
produtos acabados e do terceiro onde tais bens serão consumidos ou
utilizados.
Tudo leva a crer que o mais justo no futuro seja atribuir a
competência para arrecadar o IR exclusivamente ao país de situação da
fonte pagadora. Mas em tal hipótese se deixará de tributar o “resultado
das operações”, ou seja, o “lucro”, para passar à incidência direta
sobre a receita. Como medir a capacidade contributiva baseada no lucro
de uma empresa, tendo como conhecimento apenas a sua receita? Não se
escapará de projeções e estatísticas, cabendo aos dois pólos da relação
tributária cooperar para o alcance de valores justos.
No que se refere aos tributos incidentes sobre a produção e a circulação de riquezas, como o ICMS, o IPI e o Imposto de Importação, o mundo digital reserva outros desafios.
Na legislação atual tais riquezas circulam entre locais físicos
pertencentes ou operados pelos agentes econômicos que são os respectivos
contribuintes de tais tributos. No caso do imposto
de importação há até mesmo a interferência do local de alfândega.
Conseqüentemente, a desmaterialização do estabelecimento já traz um
primeiro problema. As mercadorias já tendem a sair de locais que não são
operados pelos contribuintes, viajando com uma velocidade cada vez
maior diretamente para as mãos do consumidor.
A resposta a esse desafio talvez seja, novamente, ignorar a
circulação física e definir o aspecto material do fato gerador pela
circulação econômica, que poderia ficar caracterizada pelo recebimento
das receitas.
Outro problema mais interessante da atualidade é o da variação dos valores dos bens e serviços a eles atribuídos pelos diversos
agentes econômicos. Um aparelho que pode ter um valor de mercado em uma
fase da circulação econômica, após a intervenção de outro agente pode
ter esse valor completamente alterado.
Um exemplo da situação acima é o das unidades de telefones celulares.
Cada uma delas tem um valor intrínseco enquanto aparelho eletrônico,
tanto para o respectivo fabricante como para o consumidor. Para a
empresa operadora da comunicação móvel ele só vale como meio para a
prestação dos seus serviços. Para este último agente compensa, por
exemplo, adquirir esses aparelhos do fabricante e subsidiar o preço de
venda ao consumidor final, já que o seu objetivo é prestar o serviço de
telecomunicação. Não há nada de errado com isso.
Portanto, também aqui a legislação tributária brasileira precisa se
adaptar à realidade. E a realidade é que o valor dos bens e serviços
modificam-se ao longo da cadeia de fornecimento em função dos objetivos
dos agentes que nela interferem. Uma preocupação é que como o ICMS é não
cumulativo já se começa a notar, nos casos acima, diversas ações dos
estados contestando o crédito do tributo em relação à parcela do preço
subsidiada. Nada mais errado. Tal posição estatal evidentemente não
encontra respaldo nos princípios constitucionais.
*Joaquim Manhães Moreira é advogado, sócio de Manhães Moreira Advogados Associados.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 20 de setembro de 2011
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