Desde o surgimento das civilizações, a função do contador esteve
presente na história da humanidade. Surgiu da necessidade social de
proteção dos bens e registro dos fatos ocorridos com os objetos
materiais e hoje, no século XXI, desponta como uma das mais promissoras
carreiras
A contabilidade está se modernizando e cada vez mais se adequando às
exigências do mundo globalizado. Da antiga caneta de tinteiro utilizada
para os registros no livro diário aos tablets que facilitam a conexão
com o mundo, a profissão evolui rapidamente. Os antigos guarda-livros
precisaram mudar o seu conceito profissional, introduzindo no dia a dia
os conceitos mais modernos que alteram a postura e a mentalidade
cultural. No Brasil, por exemplo, o momento é de adaptação às normas
internacionais, as IFRS (International Financial Reporting Standards),
na sigla em inglês. A escrituração totalmente manual, que acumulava
pilhas de papéis em diversos arquivos de papelão, deu lugar à
tecnologia. Todo registro é compactado em arquivos virtuais e a emissão
dos documentos é realizada de maneira digital.
No Dia do Contador, 22 de setembro, os profissionais da contabilidade
têm muito a comemorar. Festejam a evolução dos tempos e a crescente
valorização da carreira. “Temos mais força política, estamos mais
organizados, mais estruturados”, comemora o presidente do Conselho
Regional de Contabilidade (CRC-RS), Zulmir Breda. Contador há mais de 30
anos, Breda diz nunca ter visto um momento tão bom para a carreira.
Apesar disso, com tantas alterações na rotina do contador, o principal
desafio ainda é a mudança no perfil para se adequar às exigências do
novo mercado de trabalho. Por estar atrelada a regras e fórmulas, a
profissão se consolidou como uma profissão tipicamente conservadora, que
acabou moldando o perfil deste trabalhador. “Está havendo uma
transformação cultural, pois envolvem tanto aspectos técnicos e
científicos quanto comportamentais”, diz Breda, ao explicar que o
contador passa a ser uma figura proativa, tanto no setor público quanto
no privado.
Oportunidades cresceram rapidamente motivadas pelas novas regras
internacionais, exigindo do profissional contábil maior qualificação,
que vai desde o conhecimento técnico ao domínio da língua inglesa.
“Muitos estão sentindo essas mudanças como um desafio insuperável,
outros veem como algo que deve ser encarado e melhorado”, conta o
presidente. As transformações são mais difíceis aos mais antigos, pois
os mais jovens já estão adaptados aos novos softwares e à língua
estrangeira. “As pessoas que não estão acompanhando essas mudanças
querem sair do mercado”, lamenta.
Qualificação é fundamental
A contadora e advogada Nara de Oliveira está convencida de que o
profissional precisa se especializar. Formada em Ciências Contábeis
desde 1997, verificou, na prática, que os conhecimentos adquiridos na
faculdade não eram suficientes. Sentiu a necessidade de aprofundar seus
conhecimentos em legislação, em especial na área tributária. “Precisamos
saber tudo sobre tributos, leis, obrigações das empresas com o fisco,
transações no mercado, enfim, é muita coisa”, desabafa. Por essa razão,
buscou no curso de Direito o apoio de que precisava. “Não podemos cuidar
dos interesses dos nossos clientes apenas com breves noções de
Direito”, ressalta.
Hoje está formada nas duas faculdades e atua nas duas áreas, que,
segundo ela, são suas grandes paixões, depois da família. Mas a
inspiração para a sua formação em Contabilidade veio do seu cunhado,
Vitor Sundstron, já falecido. Aos 14 anos, ela o observava e admirava o
seu trabalho junto com a irmã. Sempre que podia, vasculhava os
documentos que ele levava para trabalhar em casa. Sonhava um dia em ser
contadora.
Nara abriu a Audimaster Consultoria Contábil Ltda. e a Mérito Jurídico
Consultoria. Para ela, a formação constante de sua equipe é uma
prioridade. O escritório conta com oito profissionais divididos entre as
duas áreas. “Eles precisam saber de tudo para poderem dar as respostas
necessárias ao cliente”, destaca.
Cresce o número de faculdades
Com um futuro tão promissor, aumenta, consequentemente, o número de
cursos em Ciências Contábeis. No Rio Grande do Sul são 56 faculdades,
sendo uma das áreas mais procuradas em todo o Estado. Mas quantidade não
é garantia de qualidade. A prova disso está no resultado do último
Exame de Suficiência realizado pelo Conselho Federal de Contabilidade
(CFC), em junho deste ano, que aprovou apenas 30,17% dos 16.608
inscritos em todo País. A dedução do presidente do CRC-RS é que as
faculdades não estão conseguindo formar bons profissionais. “Temos um
paradoxo, pois há um grande número de contadores no mercado, mas
insuficientes em qualidade”, admite Breda.
Mesmo assim, esses jovens são mais dinâmicos e buscam outros meios de
informação e de atração de clientes, que são as redes sociais. Segundo
Breda, que acompanha o movimento dos jovens contadores nos cursos e
programas promovidos pelo CRC-RS, esta é uma ferramenta bastante
utilizada que faz com que se aproximem da realidade do mundo moderno.
Apesar disso, na contramão dos tempos, esses mesmos profissionais,
apesar da mentalidade mais adaptada às novas tecnologias, ainda possuem
os mesmos objetivos que seus pais e avós buscavam no século passado, a
estabilidade do concurso público. De acordo com o presidente, cerca de
80% dos alunos dos cursos de contabilidade almejam carreira em órgãos
públicos. Um dos atrativos, além da garantia de emprego seguro, é o bom
salário ofertado. “Não é ruim este pensamento, mas não estamos formando
empreendedores”, conclui.
Os ganhos da profissão, que não possui piso salarial, vão de R$
1.500,00 a R$ 30 mil no setor privado. Já na área pública varia de
acordo com cada instituição, mas a média fica entre R$ 8 mil e R$ 12
mil. O presidente do Sindicato dos Contadores do Rio Grande do Sul
(Sindiconta/RS), Tito Celso Viero, explica que a questão salarial também
depende da especialização do profissional. A luta do sindicato, de
acordo com o presidente, é pela qualificação para que, consequentemente,
a sociedade valorize cada vez mais o profissional. O sindicato também
incentiva a mudança de pensamentos e atitudes frente ao novo mundo. “O
contador ainda está muito voltado ao seu trabalho e queremos que ele se
conscientize da necessidade de continuar estudando e de mudar a maneira
de ver a profissão, pois hoje ele é o protagonista desta história”, diz o
presidente.
Novo perfil dita reformulações no currículo
As faculdades de Ciências Contábeis precisaram passar por uma profunda
reestruturação após as Normas Internacionais (IFRS). A grade curricular
precisou se reformular a fim de trazer os novos conceitos aos
estudantes. “O aluno continua tendo as disciplinas de tributos, mas
buscamos trabalhar o planejamento tributário e contábil para que ele não
seja um mero auxiliar das receitas”, diz o professor e coordenador do
curso de Ciências Contábeis da Ufrgs, João Marcos Leão da Rocha.
Para a professora Neusa Monser, coordenadora do curso no IPA, as
disciplinas possuem uma linha de formação voltada à controladoria mais
focada na gestão. Segundo ela, o profissional necessita de uma base de
conhecimento bastante ampla, não somente técnica, mas precisa estar
preparado para auxiliar os empresários nas tomadas de decisões. “As
instituições de ensino estão num processo de revisão e boa parte já se
modernizou”, comenta Neusa, que acredita que as faculdades já estejam
adotando essa nova tendência.
Para a aluna do IPA Maria Verene Bustamante, de 55 anos, a
Contabilidade está sendo a sua realização pessoal. Já prestes a
finalizar o curso, está otimista com as mudanças na carreira. Apesar da
idade, ela não se intimida com o mercado, pois sua experiência como
técnica a fez compreender melhor os desafios da profissão. Estagiária de
uma grande empresa, é voluntária do programa em parceria do IPA com a
Receita Federal do Brasil, o Núcleo de Apoio Fiscal (NAF), que oferece
auxílio fiscal e empresarial à comunidade. A estudante do segundo
semestre da Faculdades Monteiro Lobato (Fato) Lorilene Quevedo, 37 anos,
diz que o curso está abrindo seus horizontes. Atualmente trabalha numa
empresa do setor de transporte e também é voluntária do NAF.
Carreira na área pública é uma opção para quem busca estabilidade
Segurança, estabilidade, salário compatível com a função, são um dos
atrativos procurados pelos candidatos que querem uma oportunidade na
carreira pública. Foi o que buscou o agente fiscal Pedro Gabril Kenne da
Silva, formado em Contabilidade pela Universidade Federal de Santa
Maria desde 1981. Ele chegou a importantes cargos de comando, como
contador e auditor-geral do Estado, foi secretário da Administração e
dos Recursos Humanos do Estado e presidente da Procergs.
Para Gabril, trabalhar na área pública é uma grande satisfação embora
admita que o contador que abre uma empresa e possui diversos clientes
tem a chance de obter ganhos muito maiores. Mas no setor público, as
oportunidades também são grandes e o profissional pode ter grande
sucesso com crescimento na carreira.
A principal diferença da contabilidade pública para a empresarial,
segundo Gabril, é que o enfoque não está no resultado, não existe a
preocupação com o patrimônio, e sim com o orçamento. As normas
internacionais também modificam as regras no setor público. “A sociedade
passou a exigir dos governos mais produtividade, eficiência e eficácia
nas ações dos governos e, isso é sinal de que ela está atenta, colocando
os olhos no gasto público”, comemora Gabril que vê as mudanças muito
positivas para os estados, pois a área pública começa a perceber os
benefícios da mudança. “Os servidores públicos estão em processo de
capacitação e assimilação desta nova contabilidade”, comenta o agente
fiscal e diz que a evolução da tecnologia no setor público também tem
forçado a busca constante do aperfeiçoamento.
De acordo com Gabril, a oferta na área pública é bastante grande e o
leque de opções favorece a escolha do profissional. O agente fiscal
recomenda este caminho aos novos contadores que podem trabalhar no
controle e auditoria interna de diversos órgãos, podendo atuar como
agentes fiscais nos níveis federal, estadual e municipal, e em muitas
outras áreas. Ele desmistifica a ideia de que a contabilidade no setor
público é mais difícil. “Com as novas normas, ela se aproxima da forma
comercial”, explica.
Profissionais dinâmicos são requisitados pelo mercado
Aquela antiga concepção do contador quieto, tímido, comedido que ficava
escondido numa sala ao fundo do corredor das repartições junto a pilhas
de livros e papéis é coisa do passado. O mercado vem exigindo deste
profissional uma nova postura. O contador do século XXI precisa ser
versátil, ter domínio técnico, estar atualizado e necessita conhecer
profundamente a empresa em que trabalha em todas as suas variantes,
dever ter capacidade para auxiliar o cliente nas tomadas de decisões. “O
mito do contador sem perfil para ser gestor é uma inverdade”, defende o
presidente do CRCRS, Zulmir Breda, justificando que este profissional
tem conhecimentos e ferramentas que muitos não possuem.
Para o presidente das Empresas de Serviços Contábeis, e das Empresas de
Assessoramento, Perícias, Informações e Pesquisa do Estado do Rio
Grande do Sul (Sescon/RS), Jaime Gründler Sobrinho, o mercado está
exigindo maior qualificação do profissional, pois a demanda de serviços
aumentou. De acordo com o sindicato, são 144 obrigações diárias e
semestrais em que a profissional gasta muitas horas do seu dia com
preenchimento de documentos para emissão via online.
A crítica do presidente do Sescon/RS é que surgem inúmeras novas
obrigações que não eliminam as anteriores, e quase todas cumprem a mesma
função, tornando o trabalho cansativo e repetitivo. Segundo ele, o
contador-empresário tem inúmeras responsabilidades e precisa redobrar a
sua atenção, dividindo esforços entre toda a sua clientela. Mas
reconhece que há carência nesta qualificação. “O contador também precisa
ter habilidade para mostrar ao cliente as mudanças geradas na
contabilidade”, reforça.
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